sábado, 17 de outubro de 2009

A Viajante Rubem Braga

Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.

Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.

Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.

Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este, sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternos e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também instantes bons, em terra estrangeira, melhores que o das excitações e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.

Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde - torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem. Mas então as bobagens do estrangeiro não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio cruel.

Boa viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rio, abril de 1952.
Texto extraído do livro "A Borboleta Amarela", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, pág. 145.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Carta de despedida




Fim de relacionamento é triste...

Nossa, como é difícil encontrar palavras para esse momento tão triste e ao mesmo tempo tão importante para que se feche esse ciclo. Tenho tantas coisas para lhe dizer... Tantas palavras que foram caladas, tantos silêncios...
Ao escrever bate a saudade que me faz viver nosso relacionamento... Lembro de tantos momentos... Seu olhar... Seu jeitinho de dizer “oiee”... Seus carinhos... Saudades de tudo que vivemos juntos, das longas risadas que demos, das trapalhadas que fizemos, do “uti” e até dos momentos difíceis que passamos juntos, mas que tínhamos um ao outro para nos apoiar...
Saudade engole a gente!!! Dói fisicamente!!!!
O amor que eu lhe dei (ele é seu).
Nada que passou morreu.

"Detesto quando escuto aquelas conversas:
- Ah, terminei o namoro...
-Nossa estavam juntos a tanto tempo...
- Oito anos... Que pena... Acabou...
-É... Não deu certo...
Claro que deu! Deu por oito anos, só que acabou.
Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Se esperamos cem por cento do outro, fomos imaturos, afinal, às vezes não se consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo. Como cobrar o outro?
Não temos essa coisa completa.
O ser humano não é absoluto." (Jabor)

Em minhas “tentativas” quis me doar, fazer sua vida melhor, te ouvir, te amar, cuidar, ser seu apoio, sua família, seu descanso... Se causei alguma dor, não foi por querer. Nunca tive a intenção.
Enquanto estive com você, seus planos eram os meus planos, seus projetos eram os meus projetos, estava do seu lado para o que der vier.
Unilateral demais? Creio que sim. Foi sincero.
Nosso maior erro não foi o que o que fizemos ou deixamos de fazer. Foi o que calamos. Deixamos que coisas pequenas crescessem, envelhecessem em nós e essa ferrugem, mesmo que pouca, foi corroendo os trilhos. O silêncio não permitiu lubrificá-lo, renová-lo, mantê-lo ativo. A estrada foi bloqueada. Mesmo com o bilhete comprado, a viagem foi cancelada. Esse trem já não pôde mais ver aquela paisagem, aqueles sonhos... A escolha foi para que permaneça assim, sem tentar uma manutenção.
Estamos partindo de nós, despedindo de nós, voando para outros lugares, outros sonhos, outros abismos, outras pontes....... Que triste...
Amo muito você, sempre amei.
Conte comigo, sou sua maior fã, estarei sempre na primeira fila, te aplaudindo de pé para qualquer decisão sua. Mesmo que não me veja. ..
Para sempre,
Sthella
Set/2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Eterno retorno

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Eterno retorno é um conceito filosófico formulado por Friedrich Nietzsche